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sexta-feira, 26 de abril de 2024

EM CIMA DA HORA

publicado em 07/11/2016

PEC da maldade vai derrubar investimentos

Em entrevista, economista explica que proposta de Temer vai além do congelamento de gastos sociais e que para o país crescer é preciso investir mais.

São Paulo - Ao final da audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, ocorrida na quinta-feira 3 a economista Esther Dwek concedeu entrevista exclusiva à CUT. Ela explicou como irá funcionar, na prática, esta medida que em nenhum outro lugar do mundo foi adotada de maneira tão letal à classe trabalhadora. Esther é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela também foi secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento na gestão legítima da presidenta eleita Dilma Rousseff. Acompanhe!

CUT - Quais são os efeitos reais dessa Proposta de Emenda à Constituição – PC 241 na Câmara e agora de número 55 no Senado?

Esther Dwek – O mais importante de entender é que ela (PEC) cria um teto [limite]. Mas não é um teto que ficará congelado como estão dizendo, ele deverá cair a cada ano. Isso porque não se mede a despesa só pelo valor dela, ela é medida pela renda que foi gerada na economia e pela despesa em relação à população brasileira. E é justamente em relação à renda gerada na economia e à população brasileira que os gastos cairão a cada ano. A gente nunca teve no Brasil essa queda nos últimos 15, 20 anos. Vai ser a primeira vez que teremos, pelos próximos dez anos [no mínimo], talvez até 20 anos, uma queda a cada ano do que é gerado pela riqueza da economia que deixará de ser devolvida para a população. O mais grave é que isso vai impactar na capacidade de distribuir renda. Ou seja, vai continuar arrecadando mal e gastando cada vez pior. E onde vão ser feitos os cortes? A gente olha toda a despesa pública e só tem alguns lugares para cortar: nas despesas sociais, especialmente nas transferências das famílias que é na Previdência Social, no abono do Seguro Desemprego e no [programa] Bolsa Família, por exemplo. E será principalmente com as despesas em saúde e educação. Vai, ainda, recair nas demais despesas sobre os servidores -  já tinha uma redução com os gastos dos servidores públicos nos últimos anos - mas vai cair também sobre as demais políticas que não têm nenhuma proteção.

Mas a PEC então é inconstitucional porque educação e saúde são garantias da Constituição.

Na Constituição Federal (CF) está previsto, sim, que temos algumas garantias como a saúde e a educação. Inclusive dentro da CF está incluindo como isso pode ser financiado, garantindo que parte da receita gerada na economia seja gasta para esses fins. Essa PEC (241/55) vem tirar essa vinculação. A partir do ano que vem [2017], congela no percentual de receita daquele ano e a cada ano se corrigirá apenas pela inflação, o que significa que essa receita vai cair a cada ano. O que quer dizer que a cada ano o percentual que se gastava e arrecadava em saúde e educação, vai diminuir e vai deixar de investir o básico nessas áreas. Consequentemente vai prejudicar tanto a educação pública, parte no ensino superior mas também na básica, e sem dúvida nenhuma na saúde pública. Inclusive irá chegar nos hospitais que são estaduais, porque grande parte dos recursos federais é de repasse a estados e municípios que vão ser reduzidos a cada ano.

É possível afirmar que a PEC é uma porta de entrada para outras reformas?

Exatamente! A estrutura de gasto no Brasil, como é no mundo inteiro, tem um crescimento real dado pelo próprio crescimento populacional – o que a gente chama de crescimento vegetativo [a população cresce, mais gente se aposenta e a previdência aumenta]. É o caso até dos servidores públicos, se você quer ampliar a capacidade de fazer políticas sociais, você contrata mais gente. É inevitável! E o crescimento vegetativo acontece acima da inflação. Se você tem parte das despesas crescendo acima da inflação, necessariamente, o teto vai ser corrigido só pela inflação e outras despesas vão ter de cair. E no caso de educação e saúde é importante entender que a mudança já foi feita na PEC. Ela reduz os mínimos constitucionais atuais de forma bastante considerável. Acontece que para que ela seja efetivada, outras reformas virão, a começar pela Previdência que tem impacto para os próximos dez anos. E não será uma Reforma da Previdência por questões demográficas, o que seria o correto, porque daqui a 20 anos a população brasileira vai começar a envelhecer mais. Não! É uma reforma que tem impacto nos próximos dez anos, ou seja, a pessoa já tinha direito ao beneficio, contribuiu ao longo de toda a vida e vai ser afetada. Outras medidas assistenciais, do benefício de prestação continuada, por exemplo, terá de ser reduzido e isso já está sendo anunciado. Isso vai mexer com as próprias regras do abono salarial.

E o salário mínimo? É preciso destacar aqui que ele será brutalmente afetado.

Importantíssimo tocar neste assunto. Por si só, a PEC impediria o aumento real do salário mínimo nos próximos anos porque ele é o indexador de grande parte das despesas federais. Então, se o salário mínimo cresce acima da inflação, com ganhos reais, ele vai expandir os gastos acima da inflação, com certeza. Então, desde o inicio se percebeu que essa PEC tinha como objetivo impedir ganhos reais. Porém o mais grave é que agora isso está explícito na PEC e é uma mudança que poucas pessoas perceberam que foi feita da Câmara. Os deputados incluíram o inciso 8º no artigo 104, que deixa claro que se o teto estiver estourado, será proibido qualquer aumento real do salário mínimo. Isso já está na PEC! O que era implícito por ser claramente contra a ideia do teto só ser corrigido pela inflação, agora está explícito. E é importante que as pessoas percebam que essa PEC vai aniquilar a continuidade da valorização do salário mínimo.

O que é gerado pela riqueza da economia deixará de ser devolvido para a população. O mais grave é que isso vai impactar na capacidade de distribuir renda. Ou seja, vai continuar arrecadando mal e gastando cada vez pior.

Assim como a Previdência Social, o salário mínimo também é uma política pública gerida pelo governo federal.

Nos últimos anos tivemos um mecanismo importantíssimo de fortalecimento do mercado interno por meio da Previdência, urbana e rural, e por meio das políticas de assistência. E o principal alimentador disso é a valorização do salário mínimo. Grande parte desses benefícios são corrigidos pelo salário mínimo, onde geramos um mecanismo de redistribuição de renda e fortalecimento do mercado interno muito forte. E isso gerou uma dinâmica bastante positiva na economia. Você dá renda para a população que praticamente gasta tudo o que ganha, vai fomentando a economia e vai gerando cada vez mais empregos. Tivemos, então, um mecanismo de formalização do mercado de trabalho, onde mais pessoas passaram a ter acesso aos direitos; mas, por outro lado, até o ano de 2013 não tinham problemas fiscais muito graves. A dinâmica positiva da economia estava garantindo que as despesas estavam crescendo. A receita crescia e, às vezes até em termos de Produto Interno Bruto (PIB), nem se via um grande crescimento de ambos, mas todos cresciam junto com a economia. Quando se teve a desaceleração o problema se inverteu, e a proposta de solução que está se fazendo vai matar a capacidade de recuperação do país. Simplesmente porque vai se acabar com esse alimentador do nosso mercado interno, e vai matar a capacidade do próprio governo recuperar a economia em momentos de crise. Com isso, a simples aprovação de uma lei não vai conseguir recuperar a geração de emprego. Nenhum empresário irá investir porque uma lei de ajuste fiscal foi aprovada, até por que, inclusive, acaba atrapalhando o empresário que quer produzir. Desta forma, o governo deixa de investir, de fazer compras públicas importantes - em geral quem compra produto nacional é o próprio governo federal. Com isso você vai impedir o crescimento econômico porque o mecanismo do governo de incentivar o investimento foi barrado. E o que se observou é que nos últimos anos, sempre que o investimento público cresceu, o setor privado veio junto.  E vice e versa. Então não existe essa ideia de que o privado vai crescer em detrimento do público. Ao contrário. Vão cair os dois juntos e tem aí um risco de ficar estagnado por muito tempo. Talvez a economia pare de cair, é bem possível. Mas não vai se recuperar tão cedo se não tiver alguma medida mais clara de recuperação do crescimento. E não é uma aprovação de lei de ajuste fiscal que vai fazer isso.

Em algum lugar do mundo foi feito um reajuste desse nível?

Pouquíssimos países constitucionalizaram alguma regra fiscal. Menos de cinco por cento dos países que têm alguma regra fiscal, dos 89 que foram estudados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) tiveram alguma regra constitucional. Além disso, pouquíssimos têm uma regra de teto de gastos sem crescimento real da despesa. Na verdade o único país que teve isso recentemente foi o Japão, que não tem crescimento populacional, e é uma sociedade extremamente igualitária. Completamente ao contrário da China, inclusive, que é uma das sociedades onde a desigualdade mais cresce, como foi o caso do Brasil na década de 1970 onde existia um crescimento econômico com extrema desigualdade. E o Brasil estava, finalmente, conseguindo ter crescimento econômico com redução de desigualdade.  Esse deveria ser o real objetivo do nosso país, que conseguiu ser alcançado na Europa. E é importante frisar que em todos esses países o setor público teve um papel fundamental. Sem ele não se distribui renda. Então, a comparação internacional é importante assim: os países não constitucionalizaram, não colocaram o crescimento real a zero, que acaba gerando efeitos contracionistas de segurar a economia.

  Fonte: Seeb/SP
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