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sexta-feira, 29 de março de 2024

EM CIMA DA HORA

publicado em 13/07/2016

MP 739, além de inconstitucional, traz retrocesso social

Especialista em Direito Constitucional e secretário da Contraf analisam malefícios da alteração
 
O Diário Oficial da União (DOU) publicou, na última sexta-feira (8), a Medida Provisória (MP) nº 739/2016 que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e que também institui bônus para os médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
 
Segundo o governo interino e golpista, a medida visa permitir ainda a execução das revisões na concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, com o objetivo de proporcionar uma economia de R$ 7,1 bi por ano.
 
Um dos pontos mais afetados pela mudança são os benefícios por incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez).
 
Para Marco Aurélio Serau Júnior, mestre e doutorando em Direitos Humanos, pela USP, especialista em Direito Constitucional, pela ESDC, e bacharel em Direito, pela PUC/SP, em primeiro lugar deve-se questionar a constitucionalidade da referida MP 739/16 à luz do que está disposto no artigo 62 da Constituição Federal, que exige, para a edição de medidas provisórias, o preenchimento dos requisitos de ‘relevância e urgência’. “Novamente utiliza-se de medida provisória, instrumento normativo caracterizado pela precariedade e excepcionalidade, para tratar de tema estrutural: políticas públicas previdenciárias. A mera alegação de urgência econômica, decorrente de eventual dificuldade das contas previdenciárias, não é suficiente para preencher as exigências constitucionais previstas em medida provisória”.
 
Para Marco Aurélio Serau Júnior, pode-se questionar, também, se a referida MP 739/16 padece de inconstitucionalidade por representar retrocesso social, o que é vedado dentro do sistema constitucional atual.
 
Walcir Previtale, secretário de saúde do Trabalhador da Contraf-CUT, lembrou que já existe a Política Nacional de Saúde do Trabalhador (PNSST), decreto 7602, de 2011. “A PNSST sofreu impacto negativo com a edição dessa MP, ao dificultar as garantias previdenciárias, o direito à Seguridade Social da classe trabalhadora quando ela mais precisa, ou seja, quando perde a sua saúde por conta de péssimas condições de trabalho, por ambientes de trabalho perigosos e inseguros, pela ocorrência de acidentes do trabalho.”
 
Ele ainda ressaltou que, novamente, decisões equivocadas são tomadas sem respeitar os espaços democráticos institucionais que discutem e deliberam sobre a Política. “Um espaço importante que discute e delibera sobre as políticas de seguridade social, o Conselho Nacional de Previdência Social, que integra a PNSST, também não foi consultado ou participado diante de contundentes mudanças que afetará o conjunto da classe trabalhadora brasileira”, lamentou o secretário de Saúde do Trabalhador da Contraf-CUT.
 
O especialista em Direito Constitucional e Direitos Humanos apontou que o artigo 60, parágrafo 8º, da Lei 8.213/91 também tem sua redação alterada pela MP 739/16, passando a dispor que “sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício”. “Tem-se aí a transformação em ‘dispositivo legal’ do mecanismo da alta programada. Até então se havia tido mais pudor, e a alta programada era prevista apenas em portarias ou instruções normativas, de legalidade sempre rejeitada pelo Poder Judiciário. Agora, busca-se inserir a alta programada no bojo da própria Lei de Benefícios, na tentativa malfadada de conferir-lhe legalidade.”
 
Walcir Previtale completou o argumento do especialista: “A alta programada é um mecanismo considerado prejudicial aos trabalhadores, é uma ameaça desde 2005 e já ‘devolveu’ para o trabalho milhares de trabalhadores sem condições de saúde para reassumir as suas tarefas laborais.”
 
Para agravar ainda mais as ilegalidades trazidas pela MP 739/16, afirmou Marco Aurélio Serau Júnior, têm-se a alteração do art. 60, parágrafo 9, da Lei 8.213/91, que estabelece que na impossibilidade de fixar o prazo de duração da incapacidade laboral temporária, esta durará 120 dias. “Essa medida é totalmente apartada da realidade, pois a incapacidade temporária pode ter maior ou menor tempo de duração, a depender do quadro clínico do segurado. O artigo 60, parágrafo 10, alterado pela MP 739/16, prevê a possibilidade de pedido de prorrogação do benefício junto ao INSS, mas são conhecidas de todas as dificuldades práticas disso.”
 
Segundo o secretário de Saúde do Trabalhador da Contraf-CUT, “podemos afirmar que a MP 739 inaugura um teto para a duração dos benefícios previdenciários de 120 dias. Com a institucionalização da alta programada e mais o teto de 120 dias de prazo para os benefícios – podemos afirmar que a classe trabalhadora terá enormes dificuldades em conseguir um benefício que realmente atenda a sua necessidade, que atenda a necessidade de sua recuperação e retornar ao trabalho.”
 
O advogado explicou que, por todos estes motivos, agrava-se a situação conhecida por limbo jurídico previdenciário trabalhista, hipótese em que o beneficiário do auxílio-doença recebe alta do INSS, mas a empresa na qual trabalha não o recebe de volta, por constatar a incapacidade laboral ainda existente. “Essa medida vulnera ainda mais as camadas sociais mais pobres e inseridas no mercado de trabalho nas situações de maior precariedade, e só deve aumentar a já excessiva litigiosidade previdenciária.”
 
Previtale informou que o limbo jurídico é muito comum entre os trabalhadores da categoria bancária, que acabam ficando sem receber o salário do banco ao mesmo tempo em que nada recebem da Previdência Social. “Mas essa situação de limbo jurídico acontece, na maioria das vezes, por responsabilidade dos médicos do trabalho das empresas que não aceitem o empregado de volta ao ambiente de trabalho e nada fazem para que o trabalhador retorne para a Previdência Social.”
 
De acordo com Marco Aurélio Serau Júnior, as medidas preocupantes que vieram com a MP 739/16 envolvem também um amplo processo de revisão dos benefícios por incapacidade em vigor e também a alteração da redação do art. 62, da Lei 8.213/91, que parece tornar obrigatória a submissão do segurado em auxílio-doença aos programas de reabilitação profissional patrocinados pelo INSS.
 
“A situação atual já não é favorável para aquele trabalhador que adoeceu ou sofreu um acidente do trabalho, pois medidas restritivas já foram tomadas em tempos anteriores. Entretanto, a situação agrava-se ainda mais com a edição da MP 739, que possui uma explícita faceta econômica em detrimento de proteger e recuperar a saúde dos trabalhadores que necessitam”, disse o sindicalista, que ainda completou. “Bônus de R$ 60,00 por perícia realizada – mas somente para aquelas que servirão para revisar benefícios até então concedidos, também aparece com muita força na MP 739.”
 
O especialista de Direito Constitucional e Direitos Humanos concluiu que “a MP 739/16 nada mais é do que um dos primeiros reflexos da inadequada reestruturação administrativa imposta à Previdência Social, sem o necessário diálogo com a sociedade, transferindo-a para a pasta econômica (para o Ministério da Fazenda, conforme a MP 726/16), com o que se pretende dar racionalidade meramente econômica e fiscalista à gestão dessa importante política social.”
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